A desculpa
Um analisante em sua sessão fez o que lhe é de costume. Falou o que saia da sua cabeça, sem interrupção. A sua fala tinha coordenação e subordinação. Não era confusa, mas clara. O analista o escutara com atenção flutuante e lhe havia proposto alguns questionamentos quando a sessão estava para se encerrar. Ao se despedir, o analisante pediu-lhe desculpas.
O analisante não havia ofendido ou agredido verbalmente o analista. Não chegou atrasado e nem pediu para ir embora. Ele, portanto, não tinha feito nada de errado. O que ele fez foi apenas falar de si mesmo. Então, por que a desculpa?
A palavra veio do seu inconsciente que estava ali a surgir, no meio das outras palavras que ele havia trazido conscientemente. O analisante havia passado por um estado de gripe muito forte e tinha investido a sua libido nele próprio, por mais que ele tenha, segundo ele, mantido firmeza nas suas atividades do dia a dia. O fato é que ele não tinha aquele ânimo que existia na sessão anterior. Algo o abatia e ele não sabia o que era.
Ele poderia justificar o pedido de desculpas pela situação em que havia se encontrado. O analista, por sua vez, poderia ter reagido ao pedido com a famosa fórmula “imagina” ou “não tem que se desculpar”. O fato, porém, é que a desculpa foi dada e ela possivelmente tem relação com a vida psíquica do analisante. Ou seja, em outros termos, a desculpa está inscrita na sua história.
Vale notar a etimologia da palavra “desculpa”. Esta tem um prefixo, des-, que pode significar afastamento ou negação. No seu pedido de desculpa pode ser um apelo para se afastar de alguma coisa. Esse algo de que ele quer se afastar pode ser algum delito ou erro que acredita ter praticado. Qual seria a coisa errada que ele realizara? A esta pergunta ele poderia evidentemente responder: “Eu deveria estar mais forte diante de você [o analista]”. Vamos supor que tenha sido essa a resposta. Por que ele deveria estar mais forte diante do analista?
O que o analisante projetou inconscientemente no analista? Acredito que tenha sido a figura materna. A mãe do analisante sempre demonstrou ser forte para cuidar, sozinha, dele e de seus irmãos. O analisante, nos seus momentos de fraqueza ou de desafios, ainda necessita da ajuda de alguém que lhe represente o papel da mãe toda poderosa que acredita ter tido perto dele.
O pedido de desculpa é um pedido de reparação. Como uma criança que escreve suas primeiras palavras no papel e procura apagar com o próprio lápis a letra errada, culpando-se por ter feito algo que não deveria ter feito. No entanto, aquela letra continua ali, no seu papel, agora de adulto, sem a mãe de quem recorria quando era criança.