12 de abril de 2023.
Mestre Freud,
Em matéria de psicanálise contemporânea, não há como não falar do famoso matema lacaniano do esquema L (Lambda). Não vou desenhá-lo aqui. Ele é formado por duas linhas paralelas em cujas pontas cruzam internamente, em diagonal, outras duas linhas. Na ponta da primeira linha horizontal à esquerda está o sujeito do inconsciente, dividido (S) como resultado da função paterna; na sua ponta à direita encontra-se o pequeno outro (a’), no qual podemos encontrar naturalmente a mãe. Na ponta da segunda linha, paralela à primeira, à esquerda, é o lugar do ego (a); enquanto na sua ponta à direita está o grande Outro, que é a função paterna, a intromissão do pai, o lugar da cultura, da linguagem, que corta a diagonal a-a’, formando a diagonal A-S.
Quando nascemos, temos a nossa primeira relação a-a’, eu com minha mãe, que se torna uma relação incestuosa e forma a relação imaginária. Porém, numa determinada fase de nossa vida, chega o pai e interdita o filho: “A tua mãe é minha mulher”. É o papel da lei sem a qual não há como direcionarmos a nossa vida. Podemos dizer que aqui temos a linguagem, o simbólico, e é esse fato que irá nos dirigir para a neurose ou a perversão ou a psicose. Quando vem essa interdição e recalcamento A-S, o sujeito se depara com a falta em S, fazendo-nos topar com o real, aquilo que é impossível de ser dito ou um resto que não tem como simbolizarmos.
Se, para Freud, a diagonal a-a’ representa a fase do narcisismo, para Lacan, é a fase normal do estádio do espelho, no qual a criança e a mãe são um só. A criança e a mãe se fundem. Encontramos também em a-a’ as ilusões do eu e a alienação. Essa relação, Lacan a denomina de o imaginário. Com relação ao inconsciente, este emerge a partir do recalcamento, portanto, da função paterna; ou seja, ele aparece na relação diagonal A-S. O grande Outro ocupa o registro do simbólico, o lugar do significante que vai desempenhar um papel significativo na formação do nosso inconsciente. O que não é do simbólico nem do imaginário ocupa o registro do real.
Esse esquema é poderosíssimo: contém muitos ensinamentos da psicanálise, de Freud a Lacan. Seja o caso de um sujeito que descobre que a sua angústia está associada a algo que aconteceu no seu passado, representado pela diagonal a-a’. Na relação analítica, ele percebeu que não soube lidar com as frustrações que eventualmente aparecem na vida. A proibição do incesto, apontada pela expressão “A tua mãe é minha mulher”, representado pela diagonal A-S, significou para ele o que vida lhe espera com suas incertezas. Foi difícil para esse sujeito reconhecer que é ele, sozinho, que deve conduzir a sua própria vida, tomar para si seus desejos e se responsabilizar por tê-los assumido. Esse reconhecimento na análise lhe contribuiu para tomar algumas decisões importante em sua vida, reduzindo bastante a sua angústia.
Continuamos na próxima carta a falar do esquema L no que se refere às estruturas clínicas. Como eu disse, ele é excelente. Foi uma das grandes contribuições de Lacan.
Seu,
José O Barbalho