De uma conversa.
Em um final de tarde, cruzei nos corredores da Universidade com uma pessoa conhecida (vou chamá-la em diante de N.). Ela me disse que se interessa muito por Lacan, mas tem pouca simpatia por Freud. N. é defensora incondicional da hipnose. Ela me disse que o fundador da psicanálise não gostava da prática do hipnotismo. Não lhe perguntei o que Lacan tem a ver com o sono artificial. Também não quis entrar em discussão com ela, pois a ocasião não me permitia dispensar energia no que se tornou lugar comum de “troca de ideias”.
Porém, a partir daquela conversa, fui refletir sobre o que ela havia me dito acerca do seu interesse por Lacan sem Freud e da sua inclinação ao hipnotismo. Eu me perguntei: “É possível dar atenção a Lacan e negligenciar o pai da psicanálise? A minha resposta é negativa guando o campo de estudo é a psicanálise. Lacan dialoga com várias áreas de conhecimento. Um filósofo poderia se debruçar sobre um conceito filosófico que Lacan abordou, sem se preocupar em conhecer Freud. Mas esse empreendimento para a psicanálise é inútil. Uma das lições de Lacan é ser fiel a Freud sem transformar os seus ensinamentos em tautologia. A sua importância foi de ter renovado a psicanálise sem ter traído os seus fundamentos. Se Lacan usa, por exemplo, o conceito de desejo de Hegel, não é para fazer filosofia, mas para situá-lo no capo de investigação psicanalítica. Se ele distorceu o sentido hegeliano desse conceito, o fato é que o psicanalista não deve ser fiel a Hegel, mas a Freud. O que nos interessa como psicanalistas é saber se o sentido do desejo que Lacan traz para psicanálise é coerente com os seus princípios e se move na direção da compreensão e aprofundamento da teoria psicanalítica.
Vejamos o caso da hipnose, à qual N. se dedica assiduamente. Os Estudos sobre a Histeria é uma obra de Freud que nos mostra por que ele abandonou o hipnotismo. Ele percebeu que os sintomas podem ser tratados através da fala do próprio analisante. Este os expressa conscientemente com palavras que ele declara sem censura. Ao falar desperto e com liberdade, o analisante traz à tona o seu inconsciente, no qual se encontra o seu desejo escondido. O analista, ao ouvir o que analisante diz de si mesmo, deve prestar atenção não só na fala que foi dita, mas também no tipo correto de intervenção a ser feita. Ele deve interpretar o que foi dito pelo analisante para que este consiga investigar e encontrar o desejo recalcado. Esse método se tornou mais eficaz que o hipnotismo, já que ele pode ser aplicado a um número maior de pessoas que possuem sofrimentos psíquicos.
Daí não se segue que o hipnotismo não deva ser estudado ou praticado por alguma pessoa interessada. N. tem o direito de estudar o que ela quiser. Porém, quando ela afirma que a psicanálise adota a hipnose, demonstra desconhecimento dos seus fundamentos. Se Freud não gostava da técnica da hipnose, é porque ele encontrou um outro método melhor para a análise e solução dos sofrimentos psíquicos.