08 de julho de 2022.
Meu querido Freud,
Hoje inicio a nossa primeira correspondência. Começo com o desejo. Me lembro de você ter dito: “O sonho sempre é um desejo”. Muita gente confundi desejo com necessidade. Alguém conta que sonhou que estava com os pés no mar, diante de uma linda estrela-do-mar azul. O amigo que ouve diz: “você está com necessidade de relaxar numa bela praia”. Então, o nosso sonhador resolve tirar uns dias de descanso num hotel em frente para o mar. “Satisfiz o meu sonho”, diz ele. Mas (como não ter um “mas” aqui?), repouso alcançado, volta para a sua labuta ainda com aquele sonho em sua mente. Se o sonho indica a satisfação de um determinado objeto visado, por que aquele pensamento onírico persiste, já que atendeu o conselho do amigo?
Através da análise, ele encontra a resposta para essa pergunta. Descobre o que você ensinou e foi mal compreendido: “O sonho sempre é um desejo”. Quando alguém está com sede, se dirige ao bebedouro e mata a sua sede. Isso é um exemplo de necessidade. O instinto tende todo ser humano a ir atrás da água para saciar a sede. A necessidade e o instinto não são, portanto, motivos para alguém ir ao analista. O material da análise está no desejo. Este possui o seu próprio movimento e se origina diferentemente da necessidade. Voltemos ao sonho do nosso analisante-sonhador. Independentemente de ser, ou não, parte de um pensamento onírico mais amplo, ele revela, depois de algumas sessões, que a sua origem está numa fantasia, em cuja cena encontra-se um desejo inconsciente, recalcado.
O fantasma (talvez este termo seja melhor para o que nós chamamos de “fantasia”) se imiscuiu na história do sujeito. Ele não é a antítese do real, mas caminham juntos, pois ele não existiria se houvesse o desejo. Inevitável. Simples assim: não há desejo sem fantasia, este encobre aquele. E qual é o fantasma se não o da castração no nosso caso? Você nos ensinou, Freud, que é impossível alguém aceitar tranquilamente a castração. No caso do nosso paciente que sonhou com a linda estrela-do-mar azul, ele se vê atormentado pelo seguinte conflito: como “cortar” o pênis? Sabemos que não se trata de ele pegar a faca e cortar o seu pequeno instrumento. A pergunta em questão revela um sujeito (o nosso analisante-sonhador) que se sente sempre observado, cometeu alguma traição ou alguma violação à lei.
Ele se vê como um mar com ondas instáveis, que nunca se sossegam. Você poderia se perguntar: “Ok, meu discípulo, a necessidade e o instinto formam o seu par; e o desejo? Que elemento podemos trazer para formar o par que se torna a contraparte da necessidade-instinto? A pulsão, esta é a expressão que não podemos desconsiderar quando tratamos do desejo. Por meio dela, o desejo se realiza. Logo, sem pulsão não há desejo. No caso do nosso analisante, há a pulsão de ele procurar sempre fazer o certo, a evitar a todo momento ser chamado à atenção. Qual é a razão disso? Descobri que ele tem um desejo recalcado, escondido por trás de uma fantasia, a qual, por sua vez, contém uma história real que não dá para lhe contar numa carta. Continuamos a nossa conversa na próxima carta.
Seu,
José O Barbalho