14 de dezembro de 2022.
Meu estimado Freud,
Eu me mergulhei um pouco no estudo da psicanálise de crianças. Não foi um mergulho profundo, mas foi o suficiente para perceber a sua importância não só na clínica infantil, mas também no trabalho analítico com adultos. Com efeito, o inconsciente não é só coisa de adulto. A criança também tem desejo. Quem não teve sentimentos de amor para sua mãe e de ciúme para o seu pai? Com certeza, eu os tive e foram recalcados. Eu desejei a minha mãe e entrei em rivalidade com o meu pai. Isso acontece com o menino. Com a menina, é o contrário. Esse conjunto de desejos amorosos e hostis que nós experimentamos – todo mundo do nosso meio sabe – é conhecido por complexo de Édipo.
M. Klein afirma, em sua Psicanálise de Crianças, que o conflito edípico compreende entre a metade do primeiro ano e o terceiro ano da vida da criança. Não vou aqui demonstrar tal afirmação dessa grande psicanalista e rival de sua filha que também se dedicou a investigar o inconsciente nas crianças. Quero apenas mostrar que, quando comecei a ler a Psicanálise de Crianças, notei que havia várias indicações relevantes acerca da escuta e atividade analítica com adultos. A título de ilustração, a autora afirma que os princípios fundamentais da análise são os mesmos para as crianças e os adultos: “a interpretação consistente, a resolução gradual das resistências, a referência firme e consistente da transferência, seja ela positiva ou negativa, a situações arcaicas”.
Igualmente Winnicott, outro grande discípulo seu. Em sua obra, O Ambiente e os Processos de Maturação, ele nos assegura a importância de o/a analista ser econômico em sua interpretação, saber o momento certo para fazê-la, procurar atentamente o indício que a torne possível. A esse respeito ele escreveu o seguinte: “O que importa ao paciente não é a acuidade da interpretação, mas sim o desejo do analista de se identificar com o paciente e assim acreditar no que é necessário e satisfazer as necessidades logo que estas sejam indicadas verbalmente ou em linguagem não-verbal ou pré-verbal”. Guardo sempre esse pensamento para mim. Não é a sagacidade do(a) analista o mais importante, mas a sua identificação com o/a analisante que se torna imperativo no trabalho analítico. Eu poderia tirar algumas consequências desse pensamento, mas a carta ficaria muito longa. As nossas cartas são curtas.
Encerro dizendo que não é do meu interesse trabalhar com crianças. Fico com os adultos. Não porque são melhores ou piores. É que eu não tenho as habilidades necessárias. Lembro aqui S. Ferenczi, que você o chamou de mestre da análise. Ele recomendou à sua paciente e futura analista, M. Klein, que faça psicanálise de crianças, pois percebeu nela a capacidade de fazer análise dos pequenininhos. Quando leio as obras dos mestres da psicanálise de crianças, portanto, faço isso em vista da análise de adultos.
Seu,
José O Barbalho