16 de fevereiro de 2023.

Mestre Freud,

Continuamos com Lacan. Na última carta, para falar dele, eu me servi de um conto japonês. Agora, vou partir dos nossos sonhos. Sabemos que ainda hoje há a crença de que o sonho antevê o futuro. Independentemente dessa e de outras crenças a respeito dele, a interpretação que você fez é inovadora e revolucionária. Ela permitiu descobrir o inconsciente. Lacan, seguindo seus passos, contribuiu no avanço dessa descoberta. Ele usou conceitos da linguística e da antropologia para defender a ideia de que o inconsciente é estruturado como linguagem. Por exemplo, seja o conceito de significante e significado. Para o primeiro, ele o identificou ao seu conceito de conteúdo manifesto; enquanto o segundo, ao conteúdo latente.

Tomemos o caso de alguém que sonha com o fogo e a mãe, e entra para a análise com esse sonho. O analista não pode se apressar e interpretar o sonho do analisante. Isso sabemos. O analisante deve fazer o primeiro movimento e o analista, como Sócrates do Banquete, interpelá-lo com perguntas ou pedidos de explicação. Se os significantes “fogo” e “mãe” estiverem ligação entre si, qual seria o significado? Uma pergunta que poderia ser levantada. O fogo é daqueles significantes sobre os quais poderiam escrever uma lista de significados; porém, isolado do sonho, ele não ajudaria muito na análise. Então, vamos supor a sua ligação com a mãe, após as interpelações do analista. Uma conclusão que poderiam chegar é que tanto o fogo como a mãe estão ali para mostrar as primeiras interdições que o analisante enfrentou para recalcar certos desejos, de modo que esse recalcamento gerou sintomas dos quais ele reclama. Estamos diante de uma parte da cadeia significante do analisante.

Segundo Lacan, no discurso do analista, a interpelação do analista tem como um dos objetivos fazer com que o analisante mobilize a cadeia significante. Através dessa mobilização o analisante encontrará a verdade de si que tanto busca. Verdade essa que ele acreditara que estava fora dele, na figura do analista.

Para encerrar esta carta, devo dizer que, de acordo com Lacan, o analisante precisa entrar na análise com a crença de que o analista possui o saber inconsciente dele. Essa crença é peça chave na estrutura transferencial. Se ela estiver bem firme, podem vir torrentes de resistências ou sugestões que não vão abalar a base da transferência, sem a qual é inútil qualquer interpelação e impossibilita o desenvolvimento da análise.

Não me considero lacaniano, mas vejo em Lacan contribuições importantes para a clínica.

Seu,

José O Barbalho