02 de setembro de 2023.
Mestre Freud,
Sobre a clínica, não vejo como não me referir àquele que você considerou como sendo "o mestre da análise". Sei que há divergências, mas isso é perfeitamente compreensível, contanto que os fundamentos da psicanálise que você nos transmitiu sejam conservados. Aproveito a oportunidade aqui para trazer algumas lições de Ferenczi em seu Diário. A exemplo da carta anterior, enumero a seguir alguns pontos que extraí dessa sua grande obra para serem aprofundados posteriormente a respeito da clínica psicanalítica.
1. A maior parte dos analisantes chegam à clínica como crianças feridas;
2. O analista diante do analisante deve admitir para com este os seus verdadeiros sentimentos e o seu interesse quando tem muitos compromisso e tarefas a cumprir;
3. O analista deve saber e reconhecer os pontos fracos de sua personalidade e admitir o olhar crítico de seus analisantes;
4. Ao invés de lutar contra a dor, o analista deve deixar que ela se esgote até a última gota;
5. O analista deve reconhecer que a sua inteligência não é o seu atributo especial e o único ser onisciente é o universo;
6. O analista diante do analisante deve perceber o seu comportamento: o tom de sua voz, as suas sensações e sua diligência;
7. O analista não deve permitir fazer certas coisas, como ir ao banheiro, sem antes ter avançado pacientemente na análise de seu analisante;
8. Um bom caminho para o analista penetrar no inconsciente de seu analisante com seus sofrimentos psiquícos é ele ter consigo os seus próprios complexos como auxílio;
9. Não adianta o analista esforçar-se se o analisante não procura antes ajuda em si mesmo;
10. A ajuda do analista é limitada, visto que ele possui complexos que não foram suficientemente conhecidos;
11. A natureza tem horror à plenitude e ao vazio; logo, o analista não deve conduzir o seu analisante a nenhum dos dois;
12. O analista deve fazer com que o seu analisante se torne independente dele, a exemplo da relação pai-filho;
13. O analista deve permitir que o seu analisante se ocupe da sua pessoa apenas o necessário para a análise deste;
14. O relaxamento deve ser o início de toda análise;
15. Na análise é preciso passar pela experiência da dor propriamente dita, na medida em que a única ajuda a recorrer é a si mesmo;
16. Quando o relaxamento penetra muito, o auxílio da inteligência é inútil;
17. O analista diante de seu paciente não deve se comportar como uma divindade: ele deve se mostrar sem disfarces e não se agarrar na técnica;
18. O analista deve evitar presumir rapidamente em seu analisante sentimentos de amor ou ódio para com ele;
19. O interdito não deve ser o início da análise;
20. O analista deve ter em mente que a memória guarda as cicatrizes do choque;
21. Para ser um excelente analista é preciso ter sido um exímio analisante;
22. A análise deve ser uma oportunidade para as mais extremas regressões;
23. Quando o analisante passa a considerar tudo como nada, ele está apto a adequar-se à verdade e a tolerar, sem esperar algo em troca, o sofrimento alheio;
24. Se o analista se apropria das palavras antipáticas a seu respeito, ele deve buscar a causa na sua personalidade;
25. Se o analistante põe à prova o analista é porque este o permitiu de algum modo; cabe ao analista superar essa prova, caso contrário não será dominada a repetição do recalcamento infantil;
26. O analista deve tratar sincera e amistosamente o seu analisante quando este tem para com ele uma atitude antipática ou quando ele próprio comete um erro;
27. Não há êxito na análise se o analista não amar de fato o seu analisante;
28. Uma das tarefas da análise é fazer com que o analisante sinta que a vida vale a pena ser vivida quando tem pessoas como a analista que sacrifica uma parte de si mesmo em prol dele;
29. Sem a autoconfiança do analista a análise corre sérios riscos em seu progresso;
30. A análise deve possibilitar que o analistante sofra os seus próprios desejos e não impedir esse sofrimento através de identificações fantasiadas;
31. A capacidade de reagir não é psíquica, mas apenas corporal;
32. Quando os eventos do trauma são compreendidos e perdoados, pode-se chegar à cura da perturbação traumática;
33. O analisante poderá, em um dado momento da análise, submeter-se sem revolta ao inevitável e perceber que a análise lhe ofereceu a respeito da vida simpatia e compreensão;
34. Não basta para ser bom analista seguir as regras lógicas e éticas; é preciso que ele tenha intuição feminina;
35. O bom tratamento analítico não se restringe apenas na associação livre; ele envolve necessariamente uma atmosfera de autoconfiança;
36. O analista deve dedicar-se de corpo e alma ao seu analisante;
37. Numa sociedade de loucos, o único ser razoável é a criança;
38. O analista deve perceber se a análise prolongada é consequência da sua atitude de manter o seu analisante como criança;
39. Boa parte dos analisantes são náufragos psíquicos que se agarram a qualquer coisa que vê em sua frente;
40. Não se cura uma criança apenas pela compreensão; é preciso amá-la e despertar nela a esperança;
41. O analista deve, com o auxílio de sua análise, ser imunizado dos seguintes erros: a) o distanciamento e a falta de compreensão e compaixão diante dos sofrimentos do analisante; b) a aparência de não dar importância ao pedido de socorro da criança aflita, que é o analisante; c) ser um obstáculo para o analisante construir o seu Ego que havia perdido.
Como eu havia dito, cada um dos pontos de Ferenczi elencados precisa ser analisado. Espero poder fazer isso numa outra oportunidade.
Seu,
José O Barbalho