A questão do dinheiro
Não foram poucas vezes, ao ouvir pessoas questionadas sobre porque não procuram um analista, em que percebi a questão do dinheiro como a principal razão. Suas respostas variam inegavelmente, mas o financeiro está lá como suposto impedimento.
“Eu pagar alguém estranho para ouvir as coisas íntimas da minha vida? Não faço isso nunca!”
“Infelizmente, não tenho condições para investir num analista.”
“Estou pagando as prestações do meu carro e no momento não posso.”
“Estou guardando dinheiro para o meu casamento e por isso vou deixar para depois.”
“O meu salário é pouco para gastar nessas coisas que trazem resultados incertos.”
“Trabalho duro para gastar com coisas que prometem a cura pela palavra.”
Poderia continuar com a lista de respostas. Mas essas são suficientes para refletirmos aqui o que está por trás de cada uma. Na verdade, o dinheiro não é o grande obstáculo.
Analisemos a primeira resposta. Há um não dito. A pessoa não sabe. Uma das grandes barreiras é o seu narcisismo. A pessoa estranha a que ela se refere é o analista. Porém, ele não é qualquer um que cruzamos em nossas vidas. Estar diante desse outro constitui no fundo uma ameaça para o Eu da pessoa. O seu Eu é muito valioso, por mais que esteja diante de alguém como o analista. É como se fosse um tesouro guardado, trancado, escondido numa ilha remonta para nunca ser encontrado. No entanto, o que ela guarda a sete chaves é o que ela quer de fato para si mesma? Ela sabe aquilo que esconde?
A segunda resposta reflete uma realidade de muitos brasileiros. O dinheiro que recebem do seu trabalho mal dá para a comida ou o aluguel. Freud havia tocado nesse ponto e sugeriu que o Estado deveria prestar serviços públicos de saúde dignos que pudessem oferecer bons analistas para essa população carente de recursos financeiros. Infelizmente, não só no Brasil, mas também em boa parte do mundo, ou há ausência desses serviços ou, quando existem, são bastantes precários.
A terceira e quarta respostas têm um ponto comum. O que priorizamos em nossas vidas. Há pessoas que trabalham, ganham o seu salário regularmente. Cumprem as exigências do trabalho satisfatoriamente. Mas entre um carro usado e um novo, preferem a segunda opção. Por que não ficar com o carro usado e ter condições para ir atrás de ajuda profissional?
Guardar dinheiro para o casamento é um gesto um louvável. Porém, surge uma questão: o que a pessoa guarda de si pode, caso case, afetar a relação? Conheço casos de homens – e não são poucos – que possuem conflitos sérios com a sua direção sexual e, ao se casarem, mantém uma vida dupla, sem a mulher saber evidentemente: para a esposa e a sociedade, mostram-se como homens fiéis e de respeito; porém, às escondidas, mantém casos com outros homens. Acreditam que são pessoas normais.
As duas últimas respostas chamam a atenção no que diz respeito aos efeitos da análise. Vivemos numa sociedade de consumo e uma das coisas mais consumidas são remédios que prometem a cura para os sofrimentos psíquicos. Não são poucos os jovens que fazem uso de medicamentos psiquiátricos para alcançarem bom rendimento escolar e passarem nos exames mais concorridos do país. Há casos de adultos que, para se manterem no trabalho, recorrem a remédios. No entanto, nem esses jovens e adultos procuram ajuda de um profissional, como o analista, que possam investigar as verdadeiras causas de seus sofrimentos psíquicos. Quem ganha com isso? As indústrias farmacêuticas.