31 de agosto de 2022.
Mestre Freud,
A teoria das pulsões não é um tópico fácil de ser tratado. Imagine numa carta. Assunto complexo que requer sempre estudo e aprofundamento. Escolhi dois modos de pulsão para falar aqui, a saber: a pulsão de morte e a pulsão sexual. Não vou trazer especificamente algo concernente à estrutura clínica: neurose, psicose ou perversão. Vou procurar ser breve sobre esses dois modos de pulsão. A pulsão, antes de ser investida num objeto, é energia livre, dispersa, excessiva; nesse caso ela é pulsão de morte. Por outro lado, após o investimento, ela é sexual. Sem capital não há investimento; sem pulsão de morte não há pulsão sexual. Uma forma que encontrei para mostrar a relação entre as duas pulsões, está a seguir.
As academias costumam ter grandes espelhos. No seu interior, não é difícil percebermos corpos que, diante do espelho, tomam como objetos a si mesmo e os outros. Alguém se satisfaz ao ver, por exemplo, a sua barriga “definida”. Essa satisfação não é um simples resultado da transformação do corpo biológico. De fato, o que resultou do esforço e dedicação do sujeito adquire uma corporeidade que, em outras sociedades ou em outros tempos, pouco ou nenhum valor teria. O corpo “definido” que encontramos dentro ou fora das academias mostra-nos a energia que os sujeitos investem para serem vistos. O ser visto traz consigo o desejo, ou melhor, uma falta. O sujeito mira e é visado; deseja e é desejado. Nessa juntura entre os corpos, sobrevém o vazio.
Para quem “está em busca do corpo perfeito”, tomou consciência que não se pode faltar à academia; porém, a frequência resulta da falta que o desejo lega a esses sujeitos. Mais energia livre precisa ser ligada, mais investimento libidinal se torna necessário. Para isso acontecer, eles repetem a cada dia a rotina de exercícios. O treino pode variar; porém sempre o há para eles toda vez que se dirige à academia. Podemos observar nessa repetição a pulsão de morte. Esses sujeitos dedicados conhecem o fim de todo ser humano: a morte. Sabem que, um dia, ela vai cruzar o caminho deles. Logo, eles acreditam que não podem perder tempo; a energia dispersa precisa ser investida. Uma parte desse investimento, no caso deles, está na academia. Eles podem, nessa sua dedicação, sentir maçante o treino e mudar para outro diferente. No entanto, ao mudarem de um treino para o outro, eles não se livram da repetição, na qual sempre fazem um novo pedido. Eles podem renunciar à academia, e outros investimentos libidinais podem ser feitos. É a conhecida expressão “A vida não para”. Mas também, posso afirmar, é o fato de que não há vida sem a morte.
Seu,
José O Barbalho