O centro e a periferia

Quando uma pessoa se encontra com outra, tudo pode acontecer. Se são conhecidas, a depender do nível de comunicação e relação entre as duas, podem tratar não só de assuntos diversos, mas também da intimidade. Uma conta para a outra o que fizeram, por exemplo, no final de semana. Uma ficou em casa numa maratona de filmes; a outra, na balada tomando drinks e dançando. Ambas afirmaram que se divertiram muito, cada uma a seu modo.

O que elas não contaram é o que aconteceu de fato com cada uma a respeito de seus sentimentos de se sentirem sozinhas na companhia de outros sujeitos, seja em casa ou na balada. Ambas esconderam inconscientemente uma para a outra a dor da solidão. Por quê?

As causas são variadas. O fato é que devemos perceber duas coisas aqui: a dor da solidão e o velamento desse sofrimento. De modo que podemos reformular a questão: Por que a solidão e o seu encobrimento?

Há pessoas que acreditam que o sujeito que mora sozinho é mais suscetível a atrair para si a solidão. Pode ser o caso. No entanto, o que elas têm dificuldade de perceberem é o fato de que a solidão não é imune ao relacionamento. Nada impede que este venha acompanhado dela, especialmente numa sociedade em que a intimidade fica confinada na própria consciência do sujeito e o que aparece dela não são mais do que seus contornos. Isso se torna um desafio para psicanálise.

Esses sujeitos quando vão para o divã se mostram resistentes em expressar o que é de mais íntimo em suas vidas, porque criaram o hábito de emudecê-lo. Acostumaram-se a falar mais dos outros do que de si mesmos. Quando se voltam para si mesmo, limitam-se a contorná-lo. Falam das pessoas em sua casa ou daquelas que encontraram na balada. Dos filmes que viram ou do drink que beberam, mas não da solidão que as escoltou quando viram o filme ou beberam o drink.

Quanto à pergunta acerca da solidão e de seu encobrimento, a sua resposta, no caso da psicanálise, passa pelo divã, dos contornos que o sujeito percorre inicialmente ao núcleo da questão: o seu inconsciente.